Educação e Tecnologia: A leitura vai morrendo pelo caminho. que desgraça!

Por Ezequiel Theodoro da Silva

Data de Publicação: 29 de Julho de 2010

Soube, hoje, do encerramento das atividades do LEIA BRASIL. Não posso deixar de vir a público para expressar a minha imensa tristeza diante deste acontecimento. Ao mesmo tempo, para demonstrar a minha intranquilidade a respeito do destino da leitura neste país.

Ao longo de minhas lutas por mais e melhores leituras para o povo brasileiro, sempre defendi a necessidade de uma “frente” constituída por uma grande – e diversa – quantidade de entidades (públicas e privadas) voltadas ao estudo e à promoção da leitura. A razão é mais do que óbvia: a vergonhosa, a horripilante paisagem que atualmente resulta dos descuidos e descasos dos governos brasileiros em relação ao desenvolvimento das práticas de leitura.

Em 2010, terceiro milênio, em meio às sociedades de informação e do conhecimento, o Brasil apresenta o terceiro PIOR nível de desigualdade de renda do mundo e um quadro sombrio expressando o número de leitores reais. A ferida do analfabetismo continua estuporada. Os iletrados funcionais representam quase a metade da população do país. A débil e debilitada rede de bibliotecas (públicas e escolares) nem de leve, nem de longe alimenta a promoção da leitura. Isto tudo a despeito dos incessantes – mas descontínuos, burocratizados e depauperados – programas de enfrentamento dessa questão.

Um dos efeitos básicos da leitura é a qualificação, para melhor, das decisões e ações dos indivíduos, robustecendo-lhes a cidadania. Outros países sabem disso e não perdem de vista o decisivo apoio aos trabalhos das entidades que indistintamente preservam e dinamizam os seus bens culturais escritos junto à população. No Brasil, infelizmente, ou se repete o erro de repetir políticas caolhas de apoio ao que não dá e nunca deu certo, ou se vira a cara para assistir, de camarote, talvez cinicamente rindo por dentro, à morte e ao sepultamento de importantes entidades culturais.

O valor do LEIA BRASIL advém da continuidade da iniciativa pioneira de Mário de Andrade de itinerar a leitura por entre escolas e comunidades através de caminhões. Um trabalho com professores e com estudantes de toda a comunidade escolar visitada para descobrir e experimentar algumas delícias do ato de ler. Advém também de um conjunto considerável de publicações (Leituras Compartilhadas, coleções de livros, CDs, DVDs, entrevistas, filmagens, etc.), de um poderoso portal de serviços pela Internet, de significativa participação em eventos nas várias regiões do país, de estudos e pesquisas, etc. Quer dizer, a entidade consolidou, historicamente, um “patrimônio” importantíssimo sobre as dinâmicas e os processos de leitura no Brasil – um patrimônio que seguramente vai pro brejo por falta de um olhar de natureza solidária, profissional, sensível dos organismos de apoio ou de patrocínio.

Não quero discutir e nem condenar as razões que levaram Jason Prado, o idealizador e coordenador do LEIA BRASIL, a essa decisão. Quero, isto sim, evidenciar aos leitores deste texto que a morte de uma entidade representa não apenas a permanência do nosso evidente atraso cultural na área, mas fundamentalmente o imenso desvio dos rumos que nos conduzem à conquista do direito à leitura, o que o fundo e à inversa, significa o alastramento da idiotice – ou muita esperteza cínica – nas esferas responsáveis pela educação e cultura no Brasil. E, por tabela ou como reflexo, o alastramento da idiotice por toda a sociedade.

EZEQUIEL THEODORO DA SILVA
Cidadão brasileiro, “de luto”

Ezequiel Theodoro da Silva é Livre-Docente em Metodologia de Ensino pela Faculdade de Educação da Unicamp, hoje atuando como colaborador voluntário. Foi Secretário Municipal de Cultura, Esportes e Turismo e Secretário de Educação de Campinas. Atuou como Diretor-Executivo da Editora da Unicamp. Tem mais de 40 livros publicados na intersecção educação-leitura e viaja pelo Brasil para proferir palestras.

Disponível em: <http://www.dicas-l.com.br/educacao_tecnologia/educacao_tecnologia_20100729.php>. Acesso em: 30 jul. 2010.

3 comentários em “Educação e Tecnologia: A leitura vai morrendo pelo caminho. que desgraça!”

  1. Olá Edu

    Nós como bibliotecários temos a missão de não deixar jamais o livro morrer. Hábito de leitura precisamos incutir em nossos leitores, como condição sine qua non. Estou tentando editar um livro sobre leitura, mas toda vez que penso estar caminhando, volto aos seus tópicos e os refaço; tenho buscado subsídios vários, em livros, momento em que por diversas vezes sinto-me envergonhada, por perceber o quanto estamos nos tornando pobres na linguagem, na comunicação, na escrita, na interpretação, enfim, quando pensamos que estamos avançando em tecnologia, estamos retrocedendo no tempo. Como li numa dessas minhas pesquisas, o homem está voltando a era da caverna, só que a diferença é que naquela época estava motivado e hoje? Bem, penso e procuro agir, como escrevi acima, não podemos nos deixar esmorecer; ainda que estejamos aquém do ideal, tendo em vista que nunca se falou tanto em informação quanto na atualidade, buscar nos aperfeiçoar com todo o aparato a nós disponível. Você está fazendo a sua parte com este blog, eu também procuro deixar minhas pegadas por onde passo. Parabéns pela iniciativa também. No blog http://retalhosdeleituras.blogspot.com/ coloco algumas leituras que fiz e faço, de forma informal, apenas para registrar. Também no http://blog-inaja.blogspot.com/ quero registrar alguns momentos em minha carreira, uma vez que estou aposentada, mas não distante da profissão. Tenho um trabalho paralelo com jovens e estou escrevendo um livro, o qual pretendo transformá-lo num projeto. Sonhos que penso poder realizar. Um abraço e continue firme na sua jornada. Nossa profissão, como diz minha antiga mestre Dona Carminda Nogueira de Castro Ferreira: “o bibliotecário não tem futuro, ele é o futuro”. Lindo não é mesmo? Isso me acompanhou e passo a você também. Um abraço e até qualquer momento / Inajá Martins de Almeida

  2. Infelizmente essa ainda é nossa realidade, ainda com todo o esforço que temos visto em colocar bibliotecas nas cidades, eu inclusive trabalhei num programa em que 80 bibliotecas foram implantas (cidade de Ribeirão Preto), entretanto, muitas hoje estão fechadas. Também capacitei jovens para as tais, porém, hoje eles não tem mais razão de ser, posto não haver mais locais para suas colocações. A leitura é um tema que também foco, porém ainda há muita dificuldade em incutir o hábito entre os jovens. Há muitos atrativos que seduzem, em detrimento à leitura. Infelizmente não há como nos tornarmos uma nação de leitores, em curto prazo. Isso demanda muito tempo. Espero contudo que ainda dê tempo. Quero ser otimista, mas o que vemos é engano. Bom penso que cada um tem de fazer sua parte. Eu continuo. Estou ministrando aulas para jovens de uma ONG, em que procuro passar o máximo possível o conhecimento que tenho amealhado ao longo de minha existência. Penso que a luta é árdua, mas não podemos jamais esmorecer. Vamos continuar. / Inajá Martins de Almeida

    • Bom dia, Inajá!

      Realmente a leitura é uma questão preocupante no Brasil. Quando li a notícia, fiquei um pouco chocado, um pouco me sentindo culpado, confuso… É uma realidade que temos que encarar, infelizmente. Certa vez uma professora disse que nunca se leu tanto como hoje, até mesmo os jovens, pelo simples fato de usarem o computador, então teoricamente as estatíscas de livros lidos/ano não necessariamente refletem a realidade, embora seja o mecanismo “oficial” que indica o nível da leitura. Mas um outro aspecto que me vem à mente agora é o seguinte: o que se está lendo? E como se está lendo? Acredito que também são questões fundamentais para ampliarmos o nosso papel, como bibliotecários, frente a leitura. É fato que há um apelo comercial forte para os livros, basta ver que os best-sellers vendidos aqui são os mesmos da Itália ou França, por exemplo. Parabéns pelo trabalho na ONG, é um exemplo para todos nós! Parabéns por seu blog também, continuarei visitando-o!

      Até mais,
      Eduardo.

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