O GLOBO, 16.12.10, p. 40 – Economia/ Eco Verde
Agostinho Vieira
Certa vez, a minha filha se deu ao trabalho de contar e descobriu que tínhamos 1.200 livros espalhados pelas estantes da casa. Esse número não dizia muita coisa, até o dia em que ap areceu um iPad com capa vermelha sobre a mesa. Parecia que eu tinha passado anos usando motosserra, destruindo florestas, ameaçando o planeta. Uma culpa óbvia, certo? Errado.
Do ponto de vista ambiental não é tão simples essa resposta. O melhor caminho, como explica o professor Rogério Valle, da Coppe/UFRJ, seria fazer uma análise do ciclo de vida dos dois produtos, considerando os estágios de fabricação, uso e pós-uso. Para começar, 100% dos livros são feitos com madeira vinda de florestas plantadas especificamente para esse fim. Portanto, se existe um crime ambiental, ele está muito mais nas estantes do que nos livros.
— Na fase de produção, tanto os livros quanto o iPad ou outro e-book qualquer gastam energia e água. No transporte para lojas e casas há o consumo de combustível. O iPad é feito de metais que não são abundantes na natureza. Já na hora do uso, o impacto é mais ou menos o mesmo. Um ebook precisa ser carregado na tomada, mas também precisamos de luz para ler um livro à noite — explica Rogério Valle.
A vantagem do iPad está na capacidade de armazenar quantos livros a memória permitir. Um item importante nesse exercício é o descarte. Um livro pode ser reciclado várias vezes. Já os metais pesados do aparelho são muito ruins para a natureza. Mas o problema do iPad está na obsolescência programada. Aquela versão mais moderna, mais bonita ou com mais recursos que faz você trocar de aparelho quase todos os anos. Ou seja, a escolha não é simples nem óbvia. A única certeza é que existem poucas coisas tão prazerosas quanto ler um bom livro, de papel ou digital.