Foto por Eduardo Graziosi Silva
Ontem participei do Fórum Permanente da UNICAMP “Tecnologia Digital e Registros Informacionais: Novos Conceitos e Padrões de Entrada de Dados e suas perspectivas para o tratamento e acesso à informação”. O evento como um todo foi de altíssimo nível e não deixou a desejar em nenhuma apresentação!
A primeira, “Modelagem de dados e representação da informação”, apresentada pelo Professor Elvis Fusco (UNIVEM), expôs “[…] a importância de novos estudos de modelos conceituais para repensar e projetar a percepção do domínio da representação da informação” (texto extraído da apresentação do Professor, disponível em seu site). A partir daí, também surgiram questões interessantes como as atividades do catalogador, que não se inicia no momento da descrição dos recursos, mas antes, quando esse profissional define requisitos informacionais, projeta o catálogo, dentre outras. Complementando sua exposição durante as perguntas do públicos, Elvis Fusco apontou que a formação do catalogador hoje deve contemplar conhecimentos da área de Computação, como banco de dados, arquitetura da informação, XML, além do conhecimento de Catalogação, para que o profissional catalogador possa dialogar com o profissional da Computação sem transtornos.
Já a segunda palestra, proferida pela Professora Fernanda Moreno (UnB), teve como título “FRBR e FRAD: impacto na recuperação da informação”. Um ponto que destaco de sua fala refere-se ao catálogo, que foi meu objeto de estudo durante a iniciação científica e o trabalho de conclusão de curso: uma citação (originalmente é uma pergunta) de 2010 do Professor Jaime Robredo sobre essa importante fonte de informação, em que ele aponta que os OPACs, que num primeiro momento impulsionaram o acesso aos acervos das bibliotecas, hoje parecem estar perdendo fôlego e tornando as bibliotecas opacas. Concordo, pois tanto pelos meus estudos como pela própria literatura percebi a dificuldade dos usuários durante o uso do OPAC. Não é a toa que muitos usuários preferem o Google ao catálogo. Até onde sei, e isso é uma opinião particular, os OPACs atuais, mesmo com todas as possibilidades oferecidas pelas ferramentas das web 2.0, estão longe de serem um Google. Fica para reflexão…
Mas retomando a palestra da Professora Fernanda, ela explicou didaticamente sobre o FRBR e o FRAD. O primeiro (Requisitos Funcionais para Registros Bibliográficos) é baseado no Modelo Conceitual de Dados, proveniente da Computação, e demilita tanto o conteúdo como o suporte, além de contemplar outros suportes além dos bibliográficos. Também foi destacado que um software que utilizasse os FRBR facilitaria a busca e auxiliaria a navegação dos usuários. Vale ressaltar a ferramenta FRBR Display Tool, utilizada pela Professora em sua dissertação e que permite explorar o modelo. Já o segundo são os Requisitos Funcionais para Dados de Autoridade e são divididos em 6 entidades. Uma de suas funções, por exemplo, é oferecer um relacionamento natural entre o nome de um autor e seu pseudônimo.
No período da tarde, ocorreu a mesa redonda “RDA: Impactos para usuários e profissionais da informação”. A primeira a apresentar foi a Professor Plácida Santos (UNESP – Marília). Intitulada “Catalogação revisitada – história e contemporaneidade”, a Professora Plácida que expôs uma teoria fantástica sobre catalogação para apontar que seu desenvolvimento evoluiu de tal modo que hoje, diante do tão discutido RDA, os catalogadores podem rever suas práticas, lembrando que tal situação já ocorreu em outros momentos, basta ver a mudança do código da Vaticana para o AACR, deste para o AACR2 e, atualmente, o AACR2r. Já a segunda parte da apresentação contou com a apresentação de um relatório de Thomas Brenndorfer (The FRBR-RDA Puzzle: Putting the Pieces Together), apresentado na OLA Super Conference de 2011. Nele, Brenndorfer expõe 10 passos para “descomplicar” o entendimento do RDA, explicitando em cada passo os capítulo que devem ser consultados para realizar a catalogação com o novo código.
Vale a pena apontar os 10 passos aqui, mais como uma curiosidade:
1. Olhe para a estrutura física do livro
2. Ainda a estrutura física do livro
3. Considere o livro em termos de aquisições e acesso
4. Considere o conteúdo do livro
5. Ainda o conteúdo do livro
6. Considere as pessoas, famílias e entidades coletivas associadas com o livro
7. Mostra primária dos relacionamentos entre obra, manifestação e item no livro
8. Mostra relacionamentos entre obra, manifestação, itens e pessoas, famílias e entidades coletivas
9. Mostra relacionamentos entre obra, manifestação, itens e outras obras, expressões, manifestações e itens
10. Mostra relacionamentos entre pessoa, família, entidades coletivas e outras pessoas, famílias e entidades coletivas
A próxima palestra, proferida pelo Professor Fernando Modesto (USP), foi baseada em resultados apresentados em relatórios do Comitê Executivo do RDA, formado pela Library of Congress (LC), National Agricultural Library (NAL) e National Library of Medicine (NLM). De um modo geral, foram apresentados dados referentes a consulta tanto a profissionais de vários tipos de bibliotecas como para usuários, mas alguns me chamaram mais a atenção. Dentre eles, destaca-se a implementação do RDA a partir de janeiro de 2013, bem como o fato de que sua adoção não reduzirá os custos na criação de metadados.
Foi muito importante a colocação do Professor Fernando Modesto, que se denonimou “um bibliotecário militante”, em relação ao planejamento para o uso do RDA no Brasil. Sobre isso, destacou a atuação das associações de classe nesse processo, porém, o Professor considera que há uma apatia generalizada na categoria bibliotecária brasileira, que pouco se envolve para de fato implementar mudanças, geralmente “propostas” pelos Estados Unidos, que tentam impor seus códigos como os modelos a serem seguidos internacionalmente em detrimento das especificidades da cultura de cada nação. Para reverter essa situação, o Professor Fernando Modesto propôs que as mudanças sejam discutidas tanto nos cursos de graduação como nos de pós-graduação, além de fortalecer e reanimar Grupos de Estudo sobre Catalogação já existentes (tais como o Grupo de Estudos em Catalogação – GCAT e o Grupo Brasileiro de Catalogação).
Por fim, a palestra de encerramento foi proferida pela Professora Naira Christofoletti Silveira (UNIRIO). Também discutindo o RDA, a palestra da Professora Naira foi bastante esclarecedora sobre algumas semelhanças e diferenças entre o AACR e o RDA. No que se refere às semelhanças, foi destacado que ambos são normas e também processos de transição para evitar a “recatalogação” dos registros bibliográficos existentes, pois é claro que a mudança será gradual, como já ocorreu com códigos anteriores. Em relação as diferenças, destaca-se que o RDA não é uma novidade, mas sim os FRBR! Além disso, o RDA não está baseado nas ISBD, tal como o AACR, e a novidade é a introdução do modelo conceitural dos FRBR que faz com que um livro, por exemplo, possua obra, manifestação, expressão e item, ampliando o leque de descrição bibliográfica.
Na Internet, está disponível o RDA Toolkit, que é uma ferramenta criada para auxiliar os catalogadores no uso do RDA e que ficou disponível por um período para teste pelos usuários. Vale lembrar que o RDA é mais extenso que o AACR: possui Introdução, 37 capítulos e Apêndices! Também está a venda na Amazon! Conforme apontado pela Professora Naira, o RDA não trouxe todas as respostas, mas levanta mais perguntas, tais como:
O novo código será adotado?
Os atuais sistemas de informação estão “preparados” para esta alteração? (Vale mencionar aqui que a Professora Plácida colocou que atualmente apenas o VTLS utiliza FRBR e RDA)
E em relação ao treinamento para seu uso?
E como será feita a transição do AACR2 para o RDA?
Além desses questionamentos, e complementando a fala do Professor Elvis Fusco, foi apontado que o catalogador, antes de elaborar o registro bibliográfico, é um tomador de decisões, visto que precisa escolher o sistema, definir requisitos, dentre outras atividades. Outras decisões, especificamente no que tange à catalogação propriamente dita, são:
Em relação a regra dos 3 (o RDA torna opcional* o uso do et al.)
Como as abrevistauras serão redigidas por extenso (s. l., s. n.)
Essencial x Opcional para o a instituição e para os usuários
Percebe-se, portanto, que muitas mudanças estão por vir. Envolve custos, treinamento e muito trabalho pela frente! Esperamos que mais fóruns, não só pela UNICAMP, mas também por outras Universidadades, bem como pelas associações de classe. Iniciativas como essa são e serão sempre muito bem-vindas para promover o debate e a atualização dos profissionais bibliotecários brasileiros, que podem e devem contribuir com suas ideias para as principais agências bibliográficas do mundo, não só como forma de acompanhamento das mudanças, mas também visando o atendimento das necessidades dos usuários locais.
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*A Professora Plácida colocou que o RDA contém recomendações, e não regras, o que, creio eu, ainda irá gerar muita discussão acerca desse e outros aspectos.
Como é que fica a catalogação cooperativa com o RDA?
Porque a necessidade de alterar as atuais formas de catalogação, se as bibliotecas digitais trabalham com um número reduzido de campos?
Não estou entendendo, para que serve a RDA? Será que a LC quer criar um novo formato para competir com o Dublin Core e outros? As bibliotecas tradicionais e as digitais precisam de fato desse novo formato? Se for assim, que cada biblioteca crie seu próprio formato.
é possível
Bom dia, Sérgio!
Acredito que se todas as bibliotecas adotarem o RDA, ou pelo menos as nacionais, pouco a pouco a catalogação cooperativa com RDA se tornará uma prática comum. Tendo em vista o grande volume de informações no meio eletrônico, especificamente as bibliotecas digitais, o novo código pretende dar conta das informações tanto bibliográficas como eletrônicas, virtuais, digitais etc.
Enfim, o RDA, como qualquer outro formato, norma, padrão, recomendação da catalogação é bem-vindo, pois visa atender novas necessidades surgidas com o uso massivo das tecnologias de informação e comunicação. Nesse sentido, não acredito em uma competição de formatos, mas sim na possibilidade de escolher aquele que seja o mais adequado para uma instituição, uma comunidade, um grupo de usuários.
Inclusive a questão sobre cada biblioteca criar seu formato foi comentada no evento, mas seria um problema para a catalogação cooperativa. Acredito que os dias de hoje são os melhores para nós, bibliotecários, pois entendo que nunca existiram tantas possibilidades de satisfazer as necessidades informacionais de quem quer seja (pessoa, instituição etc.).
Obrigado pela visita e pelas reflexões!
Eduardo.
Sei não, Eduardo,
Olhando os dez passos acima, me parece que vai ficar complicado e moroso catalogar um simples livro ou objeto, digital ou não. Talvez seja uma impressão errada esta minha, talvez caiba a metodologia RDA em algum centro de documentação que possua uma grande variedade de manifestação sobre determinado tema, mas talvez somente ela tenha. Então, como fica os demais centros que não possuam esta variedade?
São dúvidas que precisam ser melhor esclarecidas, é necessário que alguém mostre um protótipo em funcionamento para uma melhor compreensão dessa nova proposta descritiva e em quê ela suplanta as atuais formas de catalogação.
Um abraço,
Sérgio Novaes
É verdade, Sérgio!
Pelo que entendi dos 10 passos a catalogação não será mais a mesma, com certeza! Com base nas palestras, entendo que qualquer recurso informacional a ser catalogado com o RDA deverá cobrir os aspectos de obra, expressão, manifestão e item, já que o FRBR está envolvido nesse processo! Inclusive essas dúvidas que estamos discutindo ainda circulam nos Estados Unidos.
Lembro-me do Professor Fernando Modesto comentar que pelas listas de discussões das quais ele participa há controvérsia até mesmo em relação à terminologia e definição de certas palavras! Mas independente disso, algumas bibliotecas norte-americanas (públicas, universitárias etc.) implementaram o RDA para fazer testes e discutir pontos a serem melhorados, os quais foram publicados em dois relatórios neste ano que, infelizmente, não consegui anotar o nome. Mas sem dúvida é necessário um melhor entendimento do RDA e suas implicações em diferentes contextos.
Att.,
Eduardo.
Um ponto q ninquem levantou até agora é como ficará a catalogação na fonte com o RDA. Virão os campos marc atrás da f. De rosto ou acabará esse serviço… Dúvidas…
Boa tarde, Marcelo!
Infelizmente não tenho resposta para sua dúvida. Vou colocar sua dúvida para os professores e nas redes sociais, quando tiver uma resposta, responderei por aqui.
Obrigado pela visita!
Eduardo.
Bom dia, Marcelo!
Obtive a seguinte resposta do Profº Elvis Fusco:
Na minha opinião isso não mudará pois a forma de representação da catalogação na fonte independe das recomendações do RDA.
Mais novidades acompanhe por aqui.
Att.,
Eduardo.
Prezado Marcelo, utilizar o RDA ou o AACR2 não está relacionado diretamente à catalogação na fonte. A catalogação na fonte é um serviço que utiliza a um instrumento: o código de catalogação. O RDA orienta como descrever os elementos descritivos, a forma de apresentação poderá variar, a catalogação na fonte poderá permanecer com a apresentação em formato ISBD.
Prezada Profª Naira,
muito obrigado por sua contribuição!
Att.,
Eduardo.