O lado humano da automação de bibliotecas

No última 22/11/13, ocorreu no anfiteatro Bento Prado Júnior da UFSCar o “IV ConversAÇÕES: Softwares para automação de unidades de informação”. Como se verá, envolve muito mais o trabalho de pessoas, visto que o software é o produto final. Como qualquer máquina, é o software que deve trabalhar para os humanos, e não o contrário. Por isso o título deste post.

O evento teve início com Luiz Atílio Vicentini (UNICAMP), relatando que a automação de bibliotecas no Brasil teve início na década de 1980, e na UNICAMP o processo de avaliação de software iniciou-se na década de 1990. Em 2002 houve a integração da circulação em todas as bibliotecas, efetivada em 2004, e nesse meio tempo foi padronizado o regulamento de circulação. Em 2005 e 2006 foi implantado o smart-card com chip, mesma época em que as bibliotecas pararam de fazer o cartão do estudante, pois a partir desse período houve a integração dos dados da diretoria acadêmica e da biblioteca. A partir disso, Vicentini destacou que a instalação de um software deve considerar, dentre outros elementos, a aquisição, a infraestrutura, a compatibilidade com hardware, todos de fundamental importância, etc.

Esse panorama se refere ao Virtua, do qual havia série de demandas que dependia do suporte dos EUA, que determinavam a prioridade ou não da modificação. Por exemplo, para aplicar suspensão ao invés de multa, esperou-se cinco anos para a mudança, enquanto o funcionário do balcão precisava fazer uma serie de operações manuais. Por isso, a dependência do suporte estrangeiro foi considerado um aspecto negativo pelo palestrante. Um período difícil foi em 2000, quando uma alteração no Oracle provocou a perda de 20 mil registros que, para recuperá-los, o suporte cobrou um valor exorbitante em dólar. Após a abertura de uma sindicância, averiguou-se que o backup estava sendo feito incorretamente. A partir do ocorrido, a principal recomendação foi buscar novo software. Com a experiência de levantamento de requisitos em um projeto que participou na USP, a UNICAMP começou a levantá-los em 2007. Em 2008 foi publicado o edital com levantamento de requisitos e a licitação começou no mesmo ano, sendo que o Sophia ganhou no preço. Para tanto, identificaram-se 134 itens e foram preparados 221 testes em cima desses. Consta no edital que o software deveria atingir pelo menos 80%, e nesse ponto Vicentini destacou a importância de estabelecer um indicador. Ao final, o Sophia foi aprovado com 92%.

O palestrante destacou a importância do suporte e também a experiência do grupo de trabalho de homologação, que levou à formação de um grupo gestor do Sophia formado por três bibliotecários e um analista. Esse grupo, por exemplo, ao detectar um erro, reporta o mesmo à Prima para avaliar. Além disso, recentemente foi implantado o serviço de busca integrada, sendo que é uma tendência nos sistemas de biblioteca. Por fim, Vicentini concluiu que é preciso pensar no uso do software pelo usuário que ele tem para oferecer para a comunidade.

Em seguida, Giuliano Ferreira (PUC-Rio) falou sobre a experiência da PUC-Rio em parceria com a PUC-PR no desenvolvimento do Pergamum, que teve início em julho de 1998. Em 1999, houve a mudança do USMARC para MARC21, sendo que a principal contribuição da PUC-Rio foi redefinir o software para usar o MARC21. Já em 2001 teve início o cadastramento dos periódicos e, em 2003, a PUC-Rio se desvinculou da produção do software. Apesar disso, a participação na criação deu vantagens para a PUC-Rio no uso do software, pois como “pai” do software adquiriu conhecimento suficiente para adaptá-lo segundo suas necessidades.

Giuliano apresentou o ambiente do sistema, como segue: 20.000 usuários potenciais; serviços web, mobile; 20 terminais de consulta local ao sistema (biblioteca central), instalado em aproximadamente 100 computadores; infraestrutura de 16 servidores; usado por mais de 60 funcionário do sistema de bibliotecas. Já a equipe técnica é formada por analista de sistema (sênior e pleno), programador, analista de rede, suporte técnico e designer. Algumas características do Pergamum são: software nacional com suporte em português; assistência técnica para instalação/manutenção (é um momento crítico, pois pode envolver perda de dados); flexibilidade na escolha do banco de dados (hoje: Oracle, Sbase e SQL Server, sendo que é uma decisão institucional, pois pode vir a existir a necessidade de migração); cobre todo o ciclo de produção: desde aquisição à disseminação seletiva da informação (um módulo para cobrir cada etapa); versão web (antes rodava em Delphi, que tinha que rodar num executável no desktop; agora roda em Java, PHP, para rodar diretamente no navegador); escalabilidade (capacidade de trabalhar com volume crescente de dados) x infraestrutura (principalmente de servidor, sendo importante explicar o contexto para o analista para não sobrecarregar o sistema para o usuário final).

Algumas funcionalidades são: aquisição, catalogação, relatórios, empréstimo, dentre outros. Além disso, o palestrante expôs que não adianta o software ser bom para entrar dados e ser ruim na exportação de dados, pois em algum momento pode haver necessidade de precisar mudar o padrão de dados. Como exposto anteriormente, a customização do sistema foi possível graças à participação da PUC-Rio desde o início do Pergamum, possibilitando fazer as seguintes adaptações: renovação de chaves (feita a cada quatro horas para evitar que usuário “suma” com a chave); cadastro de visitantes (para passar na roleta, e passa a ser usuário do Pergamum); versão mobile (para renovação e reserva liberada); empréstimo de micros; controle de acesso; processamento de teses; referência virtual; integração com ferramenta de descoberta.

A próxima apresentação foi de Tiago Murakami (USP) sobre a implantação do Koha na Prefeitura de São Bernardo do Campo. O software até então utilizado era o TAUPIB, desenvolvido em 1973 pelo fundador da Escola de Biblioteconomia e Documentação de São Carlos. Esse software Usava a mesma lógica do MARC, e em 1985 a Prefeitura adotou a versão online. Em 1987, foi implementado a circulação. Apenas em 2000 houve a mudança de terminais de vídeo para computadores. Apenas recentemente o Koha foi implantando na Prefeitura, e desde então surgiram outros usuários do software, como o IFSP (Suzano e Piracicaba) e Seminário Teológico Servo de Cristo. Naquele momento, inicial n]ao foi possível fazer disponibilizar o servidor Z39.50, colocar o OPAC na internet com a disponibilização da renovação e reserva online (acervo exposto no Google) e realizar o inventário.

Rafael Saad Fernandez continuou a apresentação, já que trabalhou com Murakami nesse processo. Levantou alguns desafios no uso do TAUBIP, a saber: trabalho off-line; dificuldade de atualização; falta de controle efetivo sobre o acervo e as transações; falhas constantes; lentidão no processo de catalogação; falta de segurança com as informações. Diante desses, decidiu-se por desenvolvimento de software livre e aberto, sendo realizados testes com o ABCD, Biblivre, Gnuteca e PNB. O processo de implantação constou das etapas que seguem: conversão de ISIS para MARC21: – extração dos dados CDS/ISIS; inventário completo; limpeza e organização da base de dados; estudo do formato MARC; definição de framework; conversão de dados. O Koha ainda foi adaptado para o público escolar, tomando por base o layout similar ao adotado no portal da Secretaria de Educação. Como resultados, Fernandez destacou: autonomia; ganho de tempo no processamento técnico; interatividade (crianças comentam sobre os livros); sistema online; informações de gestão (estatísticas, relatórios centralizados em tempo real); economia para os cofres públicos; melhoria nos serviços oferecidos à população. Porém, ainda fez algumas considerações, tais como a falta de recursos humanos; dúvidas sobre a viabilidade do projeto e coloca-se novamente em pauta o uso de softwares proprietários; Secretaria da Educação e Cultura sinalizam posição favorável à manutenção do sistema.

Por fim, Flavia Maria Bastos (UNESP) discorreu brevemente sobre a UNESP, com campi em 25 cidades e um total de 34 bibliotecas. A Coordenadoria Geral de Biblioteca (CGB), onde atua, possui escritórios em Marília e São Paulo. Resgatou sua trajetória na CGB discorrendo sobre seu estágio em 1994, quando teve início a automação das bibliotecas na UNESP, que desde 1998 trocou o Ortodocs pelo o Aleph. A palestrante recordou que os manuais foram tradução pela equipe de automação, e foi a partir desse evento que a UNESP começou a desenvolver seu conhecimento. Considera, ainda essencial ter cumplicidade e interação entre pessoal da tecnologia e bibliotecários, e destaca, ainda, que tanto os técnicos precisam conhecer as ferramentas do bibliotecário como este conhecer a parte da informática. Atualmente, o orçamento das bibliotecas está dividido para conteúdo e tecnologia da informação, sendo que a manutenção é paga, pois a equipe é reduzida (possui apenas um analista). Além disso, Bastos destacou que considera fundamental que um software adote normas e padrões, pois facilita a interoperabilidade com outros sistemas.

No que tange ao suporte, a palestrante comentou que a equipe brasileira do Aleph oferece esse serviço, mas o conhecimento da UNESP é importante para conseguir avançar na implementação de adaptações necessárias à UNESP. Sobre os recursos humanos, destacou que é importante a instituição ter consciência de sua infraestrutura de pessoal, tecnologia de informação, dentre outros elementos e salientou o conhecimento formado pela equipe para evitar perdas na troca de gestão. Sobre planejamento, considera importante para que o investimento seja feito de forma certa, pois com o passar do tempo e a integração de novos módulos, foi preciso mudar, e houve dificuldade, já que tal mudança não foi planejada. Por fim, destacou que mais importante que o software são os bibliotecários saberem quais serviços serão automatizados, bem como o próprio profissional e o conhecimento de nossas atividades. Problemas podem ter várias origens: equipe, instituição, nem sempre do software. O que deve ser feito é identificar as necessidades reais dos usuários e da equipe, bem como verificar os trabalhos desenvolvidos internamente.

Como se vê, automação é um processo difícil, mas não impossível, e pelo que foi relatado, um árduo trabalho em equipe. Pode ser cedo para dizer em função da experiência que tenho e do pouco que ainda vivi como profissional, mas a automação me parece ser uma faceta tão humana do trabalho do bibliotecário quanto o serviço de referência, já que envolve pessoas e a satisfação de suas necessidades.

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