Morreu, aos 92 anos, por volta das 8h da manhã deste domingo (22), o pesquisador e professor pernambucano Edson Nery da Fonseca, uma referência na biblioteconomia brasileira. Ele faleu em decorrência de infecções pulmonar e urinária, na própria casa, em Olinda, onde recebia atendimento hospitalar. Nesta segunda-feira, a partir das 9h, será realizada missa no Mosteiro de São Bento e, em seguida, o corpo segue para ser sepultado no Cemitério dos Ingleses.
“É uma perda imensa, mas acredito que ele viveu em plenitude. Foi um homem intenso. Edson Nery da Fonseca foi um homem de cultura exemplar e, sem dúvida, um dos maiores, ou talvez o maior conhecedor do Brasil de Gilberto Freyre. Ele tinha uma memória extraordinária. Além de gostar da obra do sociólogo, de ter uma interpretação lúcida, também foi um grande amigo de Gilberto, então são duas coisas que se complementam”, comentou a antropóloga e presidente da Academia Pernambucana de Letras, Fátima Quintas.
Por meio de sua conta no twitter, o ex-ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra Coelho, lamentou a morte do pesquisador. “A obra de Edson Nery estará sempre na estante dos grandes pernambucanos que honram a nossa terra e levam o pensamento de Pernambuco para o mundo”.
ENTREVISTA
Em dezembro do ano passado, Edson Nery prestou depoimento ao Viver por ocasião dos 80 anos da obra Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, cuja obra era uma especialidade do pesquisador. Os dois também foram amigos pessoais por mais de 40 anos.
Releia o depoimento dado por Edson Nery ao Viver:
“Para a minha geração, Casa-grande e senzala foi de grande importância. Eu sempre tinha escutado falar mal da obra no Colégio Nóbrega, onde estudei. Comecei a ler o livro em 1940, quando um professor meu disse disse que teríamos como primeiro assunto o Brasil, e que para conhecer o país é preciso ler o que se escreve sobre ele. Fiquei entusiasmado com o livro e li toda a obra de Freyre. Até que fui a Apipucos conhecê-lo e passei a frequentar quase diariamente a casa dele”.
Edson Nery da Fonseca ingressou na Faculdade de Direito do Recife, mas interrompeu o curso para servir o Exército. Somente alguns anos depois, em 1946, se formaria no curso fundamental de biblioteconomia oferecido pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Ainda na década de 1940, atuou como jornalista literário no Diario de Pernambuco.
Posteriormente, participou da fundação da Universidade de Brasília e de vários cursos de graduação e pós-graduação em biblioteconomia, inclusive no Recife. Aqui ele instalou o primeiro curso de biblioteconomia do Nordeste. Em outros estados, atuou na organização de acervos de inúmeras instituições.
Foto: Nando Chiappetta/Esp.DP/D.A Press.
Mas a atuação de Nery da Fonseca não se restringe ao Brasil. Ele foi responsáveis por organizar acervos em outros países, como quando trabalhou como consultor da Biblioteca do Congresso dos EUA.
Foi condecorado com os títulos de professor emérito da Universidade de Brasília e Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Pernambuco.
ASSISTA A UM TRECHO DA PARTICIPAÇÃO DE EDSON NERY DA FONSECA NA FESTA LITERÁRIA INTERNACIONAL DE PARATY, EM 2009
Além de Gilberto Freyre, Edson Nery da Fonseca conviveu com vários intelectuais que marcaram a cultura de Pernambuco e do Brasil. Foi próximo de Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Otto Carpeaux, Antonio Houaiss, José Lins do Rego, Rubens Borba de Moraes. Do poeta pernambucano Mauro Mota, que escreveu um poema em homenagem a Edson Nery. Confira:
O Cão
(A Edson Nery da Fonseca)
É um cão negro. É talvez o próprio Cão
assombrado e fazendo assombração.
Estraçalha o silêncio com seus uivos.
A espada ígnea do olhar na escuridão
separa a noite, abre um canal no escuro.
Cão da Constelação do Grande Cão,
tombado no quintal, espreita o pulo:
duendes, fantasmas de ladrão no muro.
O latido ancestral liberta a fome
de tempo, e o cão, presa do faro, come
o medo e a treva. Agita-se, devora
sua ração de cor. Pois, louco e uivante,
lambe os pontos cardeais, morde o levante
e bebe o sangue matinal da aurora.
Foto: Fliporto/divulgação
Em 2013, Edson Nery foi um dos homenageados da Festa Literária Internacional de Pernambuco (Fliporto).
OBRA
Veja alguns dos livros lançados por Edson Nery da Fonseca:
Ser ou não ser bibliotecário e outros manifestos contra a rotina(Associação dos Bibliotecários do Distrito Federal, 1988).
Três conceitos de tempo na poética bandeiriana (Governo do Estado de Pernambuco, Secretaria de Turismo, Cultura e Esportes/FUNDARPE, 1989).
O Recife de Manuel Bandeira (Pool Editorial, 1986).
Problemas brasileiros de documentação (Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, 1988).
A biblioteca escolar e a crise da educação (Livraria Pioneira Editora, 1983).
Um livro completo meio século (Editora Massangana, Fundação Joaquim Nabuco, 1983).
Gilberto Freyre de A a Z (Ministério da Cultura, Fundação Biblioteca Nacional, Departamento Nacional do Livro, Zé Mario Editor, 2002).
O Recife revisitado (EDUFRN, Editora da UFRN, 2002).
Alumbramentos e perplexidades (ARX, 2002).
A biblioteconomia brasileira no contexto mundial (Edições Tempo Brasileiro, em convênio com o Instituto Nacional do Livro, Ministério da Educação e Cultura, 1979).
Distrito Federal (Bloch Educação, 1976).
Conservação de bibliotecas e arquivos em regiões tropicais (Edições ABDF, 1975).
O Grande sedutor: escritos sobre Gilberto Freyre de 1945 até hoje (Cassará Editora, 2011)
Problemas de comunicação da informação cientifica (Thesaurus Editora, 1973).
Bibliografia de obras de referencia pernambucanas (Imprensa Universitária, 1964).
Em torno de Gilberto Freyre por Edson Nery da Fonseca (Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2007).
Introdução à Biblioteconomia (Briquet de Lemos, 2007).