SNBU 2014: dia 19/11/2014

Sob o tema “Comunicação científica: padrões internacionais, diálogos e repercussões locais” e eixo temático “Comunicação científica”, Antônio Agenor Briquet de Lemos apresentou a conferência “A comunicação cientifica nos dias atuais: de produto a comoditty”. Sua conferência, um misto de história da comunicação científica permeada de história profissional, trouxe um amplo panorama sobre o tema, apontando que seus problemas são mais antigos do que se imagina,

Segundo Briquet, até meados do século XX a comunicação científica era mais bem organizada, condicionada pelas sociedades científicas, principalmente pela Royal Society da Inglaterra, que fixou um modelo. Já a partir de 1950, com o Big Science, surgiram novos conhecimentos que necessitaram que levaram a uma nova forma de trabalho: peer review, “criação” da figura do revisor, envio de separatas dos artigos aos revisores como  forma de “pagamento” dentre outras, que consolidaram um modelo econômico para os periódicos, e é por volta de 1964 que se considera a expansão do conhecimento científico como produto da sociedade. A partir daí, ele passa a ser visto como comoditty, ou seja, uma mercadoria produzida em grande escada, cujos produtos são destinados a processamento posterior e transformados em produtos acabados ou novamente processados.

No caso dos periódicos, sobretudo desde os últimos 30 anos, o custo aumentou muito, visto que editoras e sociedades científicas perceberam que esse “negócio” era mais lucrativo do que os livros, já que não é possível saber ao certo como será a repercussão de um livro no mercado e nem mesmo se um livro de um autor que vendeu muito alcançará o mesmo número de vendas, ao passo que um periódico, além dos já citados peer review, “criação” do revisor, que geralmente é voluntário, também tem a vantagem da assinatura, comumente anual e não paga direitos autorais.

Briquet ainda citou que após a 2ª Guerra Mundial, o pesquisador inglês de orientação marxista J. D. Bernal criticava o modelo de assinatura e propunha uma comunicação científica baseada na unidade artigo, e não na assinatura, por considerá-lo mais justo, haja vista que geralmente o que se precisa é de um ou outro artigo de uma coleção, e nem sempre a coleção completa. Além disso, o conferencista comentou que quando trabalhava como correspondente da então Reuters, no Rio de Janeiro, teve conhecimento do serviço de solicitação de artigos em microfilme à então Biblioteca do Exército (atual NLM), e dos campos de guerra no Vietnã, os médicos também pediam artigos. Ao final da guerra, esse modelo de trabalho foi aperfeiçoado e expandido. Desde então, editoras passaram a oferecer atrativos para as associações científicas e o conhecimento passou a ser mercantilizado. Briquet também comentou que o paid charged (o pagamento que os autores realizam para publicar) também é antigo, remontando a 1930, e criticou o Qualis e demais indicadores de avaliação, falando que não são suficientes para impedir a proliferação de revistas picaretas, que abastecem, principalmente, os países subdesenvolvidas. Encerrou expondo que o fenômeno não novo, e comentando que no Brasil, as editoras geralmente sempre arcavam com todos os custos, e criticou alguns comportamentos estranhos entre autores e editores (por exemplo, pagar para ter uma avaliação mais rápida) e maléficos ao processo de comunicação científica.

A mesa redonda do 4º dia do SNBU 2014 teve como tema “Comunicação científica, inovação e direito autoral”. A primeira apresentação, “Direito autoral e comunicação: desafios para as bibliotecas”, foi realizada por Luís Paulo Bogliolo Piancastelli de Siqueira, da Secretaria-Executiva do Ministério da Cultura (MinC). O palestrante iniciou explicando o que é a comunicação científica e os canais por ela utilizados, destacando a publicação como o meio principal, e apresentou o conceito de direito autoral, distinguindo os direitos moral, que é o direito do autor ter seu nome atribuído à obra, e patrimonial, que é o direito de exploração econômica da obra. Destacou que a finalidade do direito autoral é a criação e circulação de obras, bem como a expansão dos direitos exclusivos, que são a internacionalização, novos direitos, maior duração e redução dos usos permitidos. Siqueira também expôs que embora o livro/periódico digital tenha menores custos de editoração e distribuição, facilidade de publicação independente, maior acesso, menor preço e maior acessibilidade por pessoas com algum tipo de deficiência, por outro lado fez com que fossem perdidas algumas liberdades para o livro impresso, como preservação, empréstimo/distribuição, cópia privada e leitura.

Na sequência, o palestrante apresentou dados da pesquisa “O futuro do livro”, publicada recentemente na The Economist, e destacou alguns dados, como o número de vendas praticamente igual entre livros digitais e impressos e que a venda, desde a introdução dos e-books, é crescente ou se manteve. Também mencionou características da crise dos periódicos, como o alto custo de aquisição/assinatura, o foco nas bibliotecas universitárias e a concentração de mercado. Citando o acesso aberto, considerou que esse movimento prega a internet como ferramenta de comunicação livre, propõe o uso livre, gratuito e mundial das obras e o depósito em repositórios, mas defende que o acesso aberto é uma medida paliativa e incremental, que seu impacto varia nas áreas e a questão da produção internacional versus nacional, destacando que em muitos casos o pagamento das pesquisas é realizado duas vezes, para produzi-la e acessá-la.

Mencionou que a lei autoral brasileira é a 5ª mais restritiva do mundo, pois não prevê exceções e limitações para bibliotecas e arquivos, além de impedir as bibliotecas de realizarem empréstimo (não há exaustão da distribuição), comutação (não há exaustão da distribuição), digitalização (só pode ser realizada com obras em domínio público ou com a autorização do autor), digitalização para preservação, disponibilização em terminais internos e na internet. Porém, considera que essas proibições são interpretativas, já que se tratam de práticas rotineiras, e segundo o REsp 964.404/ES do STJ, as limitações da lei são exemplificativas. Os desafios para as bibliotecas, portanto, são a preservação, empréstimo, comutação, digitalização, obras órfãs, reprodução para pesquisa, empréstimo digital, medidas de proteção tecnológica, contratos e intercâmbio transfronteiriço. Para tanto, algumas soluções propostas forma a reforma da lei iniciada em 2007, que teve uma consulta pública em 2010, a exaustão internacional, reprodução para preservação e arquivamento, a distribuição interna para pesquisa, cópia privada e regulamento do empréstimo digital, enquanto que no nível internacional está se discutindo um tratado para exceções e limitações para bibliotecas e arquivos. Por fim, Siqueira, apontou que sem mudanças legislativas e políticas, o cenário autoral brasileiro não será alterado.

A próxima palestra, uma apresentação do Portal Capes realizada pela bibliotecária Katyusha Madureira Lourdes de Souza, que apresentou as primeiras discussões de planos para apoiar a pesquisa em 1986 que culminaram no lançamento do Portal em 2000. Abordou a estratégia de implantação, que tratou de negociação, aquisição com o conselho consultivo e instituições, dentre outras, bem como trouxe alguns objetivos, tais como acesso irrestrito, ampliar o número de instituições, capacitar usuários, desenvolver e diversificar o conteúdo. Além disso, destacou a internacionalização da pesquisa brasileira proporcionada pelo Portal, como os ganhos para o país, por exemplo, a economicidade, assim como os impactos na ciência e tecnologia (ajuda na pesquisa), econômico (diminui o custo por usuário) e social (democratização do conhecimento).

Por fim, a terceira palestra foi apresentada por Kátia Cristina da Silva Vaz, do Inep, no qual a palestrante apresentou, basicamente, a revisão dos módulos do sistema utilizado no Censo de Educação Superior, após reunião realizada com a Comissão Brasileira de Bibliotecas Universitárias (CBBU) em 2013. São eles: Instituições de Ensino Superior, Curso, Aluno, Docente e Biblioteca, cada qual com os critérios revisados. Um dado interessante apresentado é que atualmente existem 1597 bibliotecas cadastradas que oferecem atendimento em LIBRAS, tem que será abordado no próximo post.

No período da tarde, foi possível visitar os estandes da ITMS Groups, representante, dentre outras empresas, do BSI Group e ASTM, Lexis Nexis, Casalini Libri e Springer e assistir aos seguintes trabalhos:

Acesso aberto e direitos autorais: desafios para os profissionais da informação Miriam de Cassia do Carmo M. Mattos, Marcia Silveira Kroeff – Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc)

Gestão da produção científica do IFGW-Unicamp: o uso do Endnote Web como ferramenta facilitadora na pesquisa e armazenamento dos dados Sandra Maria Carlos Cartaxo, Maria Graciele Trevisan, Silvia Celeste Salvio, Lucimeire de Oliveira Silva da Rocha – Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

Direito autoral e editoração: análise de dados catolográficos editados em livros à luz Lei nº 9.610/98 Gleice Pereira, Ana Paula Campos Galdino , Ana Lucia Silva Lopes, Jardel Sabino de Deus – Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) / Faculdade de Direito de Vitória (FDV)

Mapeamento de processos em uma biblioteca universitária: o caso da Biblioteca do Aterrado – Rosiane Pedro do Nascimento – Universidade Federal Fluminense (UFF)

Proteção do conhecimento e inovação: motivações e tendências no universo acadêmico – Adriana Aguillera Gonçalves, Maria Inês Tomaél – Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) / Universidade Estadual de Londrina (UEL)

Formação de usuários para competência informacional em ambientes virtuais Antonio Luiz Mattos de Souza Cardoso, Cláudio Márcio de França, Ana Maria de Matos Mariani – Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes)

Como última atividade do dia, Suely de Brito Clemente Soares apresentou o workshop “O espaço das bibliotecas e seus serviços no atual contexto informacional”, no qual a palestrante resgatou o conceito de mundo híbrido, apresentado no workshop anterior, alertando para que os profissionais parem de olhar para a ilha e o mar, e olhem para as nuvens, que é onde está a informação e o meio para o qual os esforços devem ser envidados. Com isso, ela quer dizer que os bibliotecários devem ter mais momentos “uau” (ou “Eureka”), pondo em ação ideias que efetivamente contribuem para a melhoria dos produtos e serviços oferecidos deixando, assim, uma marca ou legado, os quais depende dessa atitude pró-ativa.

A palestrante também perguntou ao público se haverá bibliotecários no futuro, haja vista que hoje existem três tipos de profissionais: do passado, preocupados com a preservação e armazenamento, do presente, que fazem a roda girar, e do futuro, que olham além do mar e da nuvem. Dessa forma, há que se considerar o contexto informacional híbrido vertical/horizontal existente, pois enquanto no primeiro a informação circula de cima para baixo, no segundo ela é produzida e consumida por todos os usuários e, assim, a biblioteca universitária deve agir para conquistar e manter mais espaços com serviços, motivando os usuários a estarem juntos dos bibliotecários.

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