No início de agosto, a Organização das Nações Unidas chegou a um consenso sobre a Agenda 2030 — documento que se propõe a nortear os trabalhos da organização em relação à economia, ao ambiente e ao desenvolvimento social para os próximos 15 anos. Além dos países membros, diversas outras organizações da sociedade civil auxiliaram por mais de dois anos na criação e revisão do texto, incluindo a Federação Internacional de Associações de Bibliotecários e Bibliotecas (IFLA).
Não é um plano fácil. E não vai ser só a assinatura do documento que causará as mudanças propostas, como veremos mais abaixo.
Nele, são listados 17 objetivos gerais, e, sob cada um deles, diversos objetivos específicos. É bom frisar que a Agenda tem mais função política do que normativa, e servirá de embasamento para as autoridades nacionais implementarem mudanças num movimento global de melhoria social — cada um com as suas necessidades e prioridades locais.
Também é interessante notar algumas palavras-chave que são repetidas no preâmbulo do texto: extinção da fome, da pobreza, necessidade de paz, consumo e produção sustentáveis, promoção e defesa da igualdade entre gêneros e empoderamento de mulheres e meninas. E as bibliotecas? E os bibliotecários? O que têm com isso?
Segundo a IFLA, em nota oficial, bibliotecas podem servir de apoio para diversos aspectos dos objetivos do documento, pois são instituições públicas chave e têm um papel vital no desenvolvimento de toda a sociedade.
O lançamento oficial da Agenda 2030 ocorrerá em setembro em Nova Iorque e a Federação já se comprometeu a esmiuçar os objetivos que podem ser auxiliados pelas bibliotecas. Colocando o carro na frente dos bois por um momento, li o documento e listei o que eu percebo como atividades que deveriam ocorrer em bibliotecas, especialmente as públicas. Vejamos:
# Objetivo 4, sobre educação e aprendizado contínuo: há menção a melhorar o acesso à informação para crianças, inclusive as com deficiência, indígenas e em vulnerabilidade (objetivo específico 4.5); aumentar a literacia em adultos (objetivo específico 4.6) e melhorar e criar mais ambientes adequados para a educação (inclusive bibliotecas, imagino eu) (objetivo específico 4.a);
# Objetivo 5, sobre políticas para mulheres e meninas: promover o empoderamento feminino através do uso de tecnologias de informação e comunicação (5.b);
# Objetivo 9, sobre infraestrutura, e # Objetivo 11, sobre cidades: aumentar o acesso à internet (9.c) e melhorar a proteção e salvaguarda do patrimônio cultural e natural (11.4);
# Objetivo 10, sobre reduzir a desigualdade: apenas promover a igualdade (social, econômica e política), independentemente de idade, sexo (e gênero, imagino eu), deficiência, raça, etnia, origem, religião, status social ou outro tipo de status (10.2);
# Objetivo 13, aquecimento global: educação e informação sobre mudança climática e para sua redução (13.3);
# Objetivo 16, acesso à justiça: “Garantir o acesso público à informação e proteger liberdades fundamentais em acordo com legislação nacional e acordos internacionais.” (16.10) (no original: “Ensure public access to information and protect fundamental freedoms, in accordance with national legislation and international agreements”). Trago este objetivo específico em texto original, pois ele parece ser o ponto-focal do trabalho pela IFLA, e é mencionado especificamente no seu comunicado oficial.
Ainda, na Agenda 2030 também há menção à criação de uma Força-tarefa para Ciência, Tecnologia e Inovação com a intenção o de garantir o acesso à informação, conhecimento e melhores práticas através de mecanismos de transferência de informação e tecnologia.
Alguns comentários e/ou provocações são necessários.
O primeiro é o seguinte: apesar de haver objetivos sobre educação (sempre genéricos, pois o documento deseja ser o mais abrangente para que cada nação tenha como desenvolver suas prioridades), a IFLA optou por apresentar um objetivo relacionado ao acesso à justiça. Por quê? Por que bibliotecas devem se envolver com acesso à justiça, especificamente, de acordo com a Federação, no que se refere ao acesso à informação?
Também, como se pode ver, todos os objetivos que eu listei — ainda falta a avaliação e pormenorização a ser apresentada pela IFLA — tratam de educação de usuários: literacia, empoderamento através de TICs, educação sobre os direitos humanos e o ambiente… estamos preparados pra isso? Temos capacidade para isso? Que espécie de atividades uma biblioteca pública pode desenvolver nestes sentidos?
Enfim, o conteúdo do documento é obviamente progressista. Contudo, uma vez que as medidas deverão ser implementadas pelos governos, o primeiro passo não deveria ser fazer a faxina em casa e eleger pessoas (“representantes”, no final das contas) que demonstrem interesses por estas medidas? Do contrário, sim, as recomendações morrem no papel. Depois, é fazer lobby e advocacia para que as medidas sejam implementadas de fato. Simples, apenas!
Disponível em: <http://tci.fernandop.info/?p=649>. Acesso em: 16 ago. 2015.