A democratização da informação levou a uma falsa sensação de democratização do conhecimento

por Steven Novella*

Mantenho uma infindável fascinação pelo incrível experimento social que todos nós temos vivido ao longo da última década (e posso dizer que, se você estiver lendo isto, também faz parte desse experimento). A internet e as mídias sociais mudaram o modo como acessamos informação e nos comunicamos. Os sistemas tradicionais, nos quais a dispersão de informação e opinião é de cima para baixo, estão ruindo e sendo substituídos por um sistema majoritariamente de baixo para cima e aberto a todos.

Penso que ainda estamos tentando descobrir todas as consequências dessas mudanças, tanto as intencionais como as involuntárias. Um efeito casualmente observado é que muitas pessoas acreditam erroneamente que têm conhecimento porque elas têm capacidade de fazer “pesquisa” online. A democratização da informação levou a uma falsa sensação de democratização do conhecimento.

Embora o livre acesso à informação seja algo incrível, não há nenhuma maneira sistemática de ensinar ao público como usar essa informação para maximizar seus benefícios e evitar as armadilhas mais comuns. No geral, as escolas estão defasadas sobre isso e não ensinam os alunos como utilizar seu acesso à informação online. A maioria dos adultos terminou o ensino formal antes da onda das redes sociais.

O resultado disso é o “Efeito Jenny McCarthy”. Ela é uma celebridade que pensa que pode substituir um parecer sólido e consensual de especialistas sobre a segurança e eficácia das vacinas por sua própria opinião não especializada pois “ela fez sua própria pesquisa”. Ela é um exemplo óbvio de como a busca por informações online pode dar a alguém uma falsa convicção científica, ilustrando que pode ser extremamente enganoso depender da “Universidade Google”.

Existem algumas armadilhas específicas operando aqui.

A primeira armadilha é o tema de uma série de recentes experimentos publicados por Matthew Fisher, um doutorando em psicologia cognitiva na Universidade de Yale. Ele olhou especificamente sobre o efeito da pesquisa online por informação e a confiança no conhecimento de alguém sobre o assunto. É claro que faz sentido que, ao procurarmos e lermos informações sobre um determinado tema, isso vai aumentar nossa confiança no nosso conhecimento sobre esse assunto. Fisher, entretanto, tentou controlar tantas variáveis quanto podia para ver se havia algum efeito em apenas pesquisar, independentemente de como isso afeta nosso conhecimento real.

Ele descobriu que as pessoas tinham maior confiança no seu conhecimento quando buscavam por determinado assunto em vez de serem levadas diretamente a ele, quando o assunto não tinha nenhuma informação relevante online, quando as pesquisas filtravam as informações relevantes e quando as informações eram lidas na internet em lugar das que são lidas impressas. Assim, mesmo quando a informação verdadeira é controlada, o ato de pesquisar online por si só já aumenta a confiança da pessoa no seu conhecimento.

É óbvio que esses tipos de experimentos são complexos e precisamos replicá-los partindo de diferentes ângulos, mas até aqui tudo indica que ter acesso a uma vasta quantidade de conhecimento e poder vasculhá-lo aumenta nossa consideração pelo nosso próprio conhecimento (independente do acesso a informações relevantes).

Parece-me provável que outros efeitos também ocorrem e o principal deles é oviés de confirmação. Pesquisar online nos dá a oportunidade de extrair uma grande quantidade de informações e escolher (mesmo que inconscientemente) aquela informação que confirma aquilo em que já acreditamos ou no que queremos acreditar. Busque online por informações sobre vacinas e você pode encontrar muita informação que confirma a segurança e eficácia das vacinas ou uma grande quantidade de informação que denigre as vacinas. Escolha qualquer tema controverso e os resultados serão os mesmos.

O viés de confirmação é especificamente poderoso e perigoso porque cria a ilusão de que os dados apoiam nossas crenças pois não temos noção do quanto filtramos e enviesamos essa informação. A internet é uma configuração pro viés de confirmação.

A versão extrema desse fenômeno é o que chamamos de “câmaras de eco”. A filtragem de informações pode dar forma a comunidades online onde uma única perspectiva é expressa e apenas a informação que endossa essa perspectiva é compartilhada, enquanto a informação contrária é excluída ou diretamente combatida. Esse efeito é universal e é válido para sites científicos e céticos como também para os pseudocientíficos.

Outro potencial problema é a confusão entre conhecimento e mestria. Isso muitas vezes pode criar sabichões: pessoas que podem ser muito inteligentes e ter grande quantidade de conhecimento real mas que chegaram a conclusões absurdas e nas quais têm total confiança. E um dos problemas dos sabichões é que eles não se envolvem apropriadamente com a comunidade intelectual que importa.

É extremamente importante se envolver com a comunidade, especialmente com as áreas muito complexas e técnicas do conhecimento. Pode ser muito difícil para qualquer indivíduo ver uma questão complexa de todos os ângulos e considerar todas as perspectivas. Sozinhos, tendemos a criar uma narrativa que faça sentido e nos convencemos cada vez mais de que essa narrativa é verdadeira. Estreitar os laços com uma comunidade intelectual vai desafiar essa narrativa, levando a uma compreensão mais profunda e sutil do tema. Essa é a alma da verdadeira mestria.

Estudar um assunto sozinho pesquisando online pode ser uma fábrica de sabichões, trazendo conhecimentos verdadeiros mas sem o compromisso com as ideias. Consequentemente, ao nos aproximarmos de uma comunidade online tendenciosa e não com uma mais ampla, o efeito das “câmaras de eco” pode nos dar a ilusão de compromisso com a verdade. Isso resulta em pessoas que falsamente acreditam ter conhecimento suficiente em áreas nas quais elas realmente não entendem. O efeito Dunning-Kruger entra em ação e elas não reconhecem o abismo entre a sua formação na Universidade Google no conhecimento de um assunto e a compreensão mais profunda dos verdadeiros especialistas.

Conclusão

A internet pode estar criando um exército de pseudoespecialistas excessivamente confiantes. Há uma série de correções para esse problema no âmbito do indivíduo:

  • Seja humilde. Não pense que um pouco de conhecimento o torna um perito. Respeite as opiniões dos reais especialistas. (Você não precisa concordar com eles, mas, ao menos, leve-os muito a sério.)
  • Compreenda a vantagem natural do consenso da opinião dos especialistas sobre uma opinião individual.
  • Ao pesquisar na internet, saia do caminho e busque por informações que vão contra a sua própria crença ou conclusão. Tente buscar por ambos ou todos os lados do tema e guarde seu julgamento até que você ache que ouviu todos os lados.
  • Entenda que pesquisar online é um arranjo para o viés de confirmação. Se você busca no Google estando logado, isso pode enviesar os resultados. Tente fazer buscas deslogado.
  • Saiba que, além do viés de confirmação, há vieses organizados na internet: câmaras de eco, campanhas de astroturfing e informações ideológicas deliberadamente tendenciosas. Esteja atento a informações falsas e cuidadosamente desconfie dessas fontes antes de confiar nelas.
  • E como sempre, não existe substituto para o ceticismo e o pensamento crítico.

*O doutor Steven Novella é professor e médico neurologista na Yale University School of Medicine.

Disponível em: <https://www.linkedin.com/pulse/o-efeito-universidade-google-rafa-spoladore>. Acesso em: 13 jun. 2016.